A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO A QUATRO MÃOS
DE RUI MACEDO & EMA M
GALERIA GESTUAL, PORTO ALEGRE, BRASIL
Ema M & Rui Macedo, 2014
PY 184 + PO73 &PV 23 + PB 15:1 (da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
P0 20 + PY 35 & PB 29
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
P0 20 & PB 15:1 + PW 4
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
PY 35 & PV 23
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
PB 1 + PY 3 & PR 255 + PO 72
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
PY3 + PB 15 & PR 108
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
PR 108 & PG 7
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M & Rui Macedo, 2014
PV 23 & PY 35
(da série Cores Complementares)
(da série Cores Complementares)
50x55cm, óleo sobre tela
Ema M (Torres Vedras, Portugal,
1976) é artista visual. O seu trabalho vem gradualmente a considerar a
linguagem enquanto representação plástica, enquanto texto escrito legível e a
par ou em simultâneo com a figuração pictórica. É na relação entre textual e
figural que se desenvolvem as mais recentes exposições, das quais se pode
destacar as individuais Visibilia
(2014, Museu Grão Vasco, Viseu, Portugal), Ut
pictura poesis (2013, Oi Futuro, Ipanema, Rio de Janeiro), Animus Ludendi (2013, Amarelonegro, Rio
de Janeiro) e Lapsus Memoriae (2013,
Museu do Trabalho, Porto Alegre, Rio Grande do Sul).
Rui Macedo (Évora, Portugal,
1975) é artista visual. O enfoque do seu trabalho de pintura põe em
operação, através de instalações pictóricas site-specific, de
um modo crítico e pela exploração da morfologia arquitectónica do lugar de
exposição, os conceitos próprios de uma exposição de pintura, no sentido de
surpreender o horizonte de expectativa do visitante, surpresa alimentada pela
representação pictórica em trompe l´oeil e pela encenação do e no espaço
expositivo. Destacam-se as exposições no último ano: Playtime (Capilla de La Trinidad, Museu Barjola, Gijón,
Espanha); Mnemosyne (Palácio do Catete e Galeria do Lago,
Museu da República, Rio de Janeiro); Artimanhas do escondimento (Amarelonegro,
Rio de Janeiro); e Un cuerpo extraño
(Museo Nacional de Artes Decorativas, Madrid, Espanha).
Galeria Gestual | Curadoria de Paulo Gomes
Cartão de Visita III
COMPLEMENTAR(ES)
de Ema M & Rui Macedo
por Sérgio Gorjão
Complementar(es) é a primeira exposição em que Rui Macedo e Ema M
trabalham a quatro mãos, surgindo como uma fusão de sensibilidades que exprimem
as suas formações académicas e teóricas, as suas experiências passadas, como um
reflexo de todo um percurso artístico e, por último, são ainda uma espécie de
revisitação de várias correntes artísticas que marcam a História da Arte, uma memória
desconstruída e novamente proposta à leitura contemporânea.
As oito telas agora apresentadas, sendo um conjunto e não
um somatório, são como que um vislumbre de memórias (fragmentos perdidos de um
passado evocado, mas já inexistente) e propostas de um potencial futuro (também
ele só imaginado, mas ainda sem existência).
Geralmente, as intervenções de Rui Macedo e de Ema M são
pensadas não apenas como uma exposição de obras, elementos soltos que vivem por
si, mas sim como um diálogo entre estas, o espaço em que se inserem e o público
que as interpela. Esta noção de “instalação” coerente é, aliás, uma assinatura
comum a ambos os artistas. O museu ou a galeria e o público são, por isso,
parte integrante e indissociável do discurso e da missão deste conjunto de
pinturas, ou desta instalação.
Tal como em outras circunstâncias, as obras apresentam
uma dualidade de critério ou de perspectiva: se por um lado podemos “ler” cada
peça individualmente, reconhecendo nelas a sua identidade particular, como que
um verso de uma poesia mais extensa, por outro fazem sentido como um todo
integrado naquele espaço e naquele tempo, não deixam de fazer sentir uma
releitura relativa ao passado (mais do que uma rotura), apesar do seu pendor
nitidamente contemporâneo, e também de abrir portas a uma interpretação
filosófica, na tentativa de refletir sobre um “porquê”, assumindo um pensamento
aprofundado e analítico que antecede a sua criação.
Muitas vezes, a pintura destes artistas, aparentemente
figurativa (mas só aparentemente) revela mais o interesse num jogo intelectual
de motivações e ilusionismos, do que propriamente de significados ou de
leituras imediatas. Embora represente “algo”, essa “coisa” não se reduz a uma
evidência, mas a uma contradição, ou melhor, a uma complementaridade entre o
objeto e a real intenção de remeter para um labirinto em cujo centro está um
“pensamento” estruturado, mas o trajeto para lá chegar é relativamente
sinalizado.
Outra analogia possível seria a de que esta pintura, com
os frutos e legumes, fosse uma espécie de “embrulho”, uma capa que esconde a
“forma” que os artistas querem revelar. O limão, por exemplo, não é
necessariamente importante enquanto representação de um fruto, mas sim como
manifestação de uma cor, que se assume como o verdadeiro objeto de trabalho dos
pintores.
Não será, por acaso, que esta exposição/instalação
recorre sinteticamente a uma abordagem ilusionista de trompe-l’œil já abundantemente revista em outras mostras dos mesmos
autores. Contudo, neste caso não tem por missão a representação fiel de um
objeto, mas provocar ou desconstruir preconceitos interpretativos ou
rotuladores.
Para alguns, esta exposição poderá evocar o grande ciclo
da arte peninsular do século XVII, o siglo
de oro dos bodegones ou
naturezas-mortas, exercícios de extraordinária perícia que se afirmaram nos
principais centros produtores da Flandres, Espanha e Portugal. Ao olharmos para
os limões representados numa destas pinturas, facilmente recordamos as obras de
Zurbarán, van der Hamen, Juan de Espinoza, Luís Meléndez, Baltazar Gomes
Figueira ou Joséfa de Óbidos, mas nestas o objetivo é realizar uma pintura que
reproduz fielmente a natureza, envolvendo-se em rebuscados exercícios plásticos
que visam explorar a luz, as sombras, as cores, os brilhos, os contrastes e as
texturas, ou então, criar uma narrativa simbólica associada a um determinado
contexto religioso ou de poder. Não é estranho, nestes casos, representarem-se
luxuosas composições de frutos, alimentos, flores e outros objetos da natureza,
interagindo com copos de água ou vinho, jarros, fruteiros de prata, talheres,
toalhas de linho ou seda, cestos, madeiras, etc., apenas com a simples intenção
de representar “ao natural” para serem fruídas prazenteiramente como objetos de
decoração; mas também são observáveis outras obras de pendor místico. Por exemplo,
muitas vezes a representação da Virgem é associada ao lírio, símbolo da pureza,
ou a flores com espinhos, sinais das suas alegrias e sofrimentos; ou no caso
das representações de Cristo, em que se privilegiam os frutos vermelhos, como a
granada, as cerejas, os figos, entre outros, símbolos da sua Paixão e do sangue
derramado.
Nesta exposição vemos não a intenção de uma leitura
imediatista, em que o objeto assume uma narrativa particular, vemos, sobretudo,
uma reinterpretação e uma repetição de um conjunto de a prioris formais e conceptuais que estabelecem um contínuo entre
todos os trabalhos, criando uma unidade de conjunto. Este é, aliás, o fio
condutor que permite harmonia e coerência a esta coleção, revelando a
intencionalidade de criar uma série que estuda a cor e não um discurso
histórico-narrativo ou necessariamente simbólico.
Na obra agora apresentada pode inferir-se a relação com o
passado pela evocação das composições, pelo recorrente uso deste tipo de
modelos num clássico exercício pictórico, sem qualquer desprestígio para o
rigor absoluto com que são criadas, a intenção exprime-se de forma radicalmente
diversa. Não é a representação do objecto pelo objecto, aqui o exercício
principal é, como já se disse, a cor.
Ao olharmos para cada uma das obras há como que uma leve
sensação vibrante, que se deve à harmonia complementar de cores contrastantes e
aparentemente em oposição, simétricas no eixo da roda das cores. Aqui se anuncia
uma dicotomia entre frio e quente, que se revela extremamente dramática,
chamando a atenção para os objectos. Estamos novamente no domínio das
ambiguidades, dos jogos cerebrais, em que as cores quentes geram um movimento
de excitação e vitalidade, por complementaridade/oposição às cores frias,
geralmente associadas a uma calmia e tranquilidade.
Outro dos segredos desta(s) obra(s) é que, se as
reduzíssemos a uma escala de cinzentos, a tela revelaria quase o mesmo matiz,
sem distinção. Estamos perante uma universalidade de cores que se opõem e se
definem entre si, porém, como os extremos se tocam, ao passarmos para uma
escala tonal de branco e preto, vemos que afinal os seus valores são
praticamente idênticos. Filosoficamente poderíamos dizer que a bipolaridade de
contrastes, esta evidente dualidade relativa que se afigura aos olhos e às
capacidades sensoriais humanas não são, contudo, mais do que uma espécie de
unidade, erradicando a visão dualista, admitindo uma leitura aprofundada e
obrigando a uma desmontagem da nossa “realidade”.
Cada uma das peças recorre a elementos da natureza,
frutos e legumes, que se apresentam em oposição e contraste cromático com os
fundos. A tridimensionalidade é conferida pelo jogo de sombras, pelo uso de
suportes às “formas” e por um aparente distanciamento do fundo, facto que se
torna ainda mais evidente pelo recurso a uma moldura “fingida” que remete,
novamente, para um perfil de pintura antigo. Contudo, aqui se sugere como uma provocação à ideia de que
a pintura contemporânea “prescinde de moldura”, o que não deixa de ser outro a priori a abandonar, porque esse
elemento surge como parte integrante e fortemente responsável pela definição
identitária da obra.
Podemos achar que esta provocação é, aliás, uma motivação
secreta dos autores. Para quem espera encontrar algo muito definido em termos
de linhagem e linguagem artística, depressa descobre que esta intervenção não
está presa a juízos prévios, embora lhe subjaza um pensamento e uma teoria
pertinentes. Se estiver ligada a algum juízo, este essencialmente remete para a
“nobre” questão da disciplina da Pintura: representar algo que nos interrogue e
que decorre de uma interrogação. Neste caso, a essência da questão aponta para
uma pesquisa sobre a cor, muito para além do que é representado. Essa é a menção
feita na legendagem de cada obra, uma espécie de nome, ou de código
identitário, em que se nomeia a estrutura compositiva dos pigmentos.
Não é uma obra neo-naturalista, nem hiper-realista, ou
pop, ou muito menos abstrata. É “o que é”: um estudo de cores expresso
“ilusoriamente” numa formulação de formas e fundos que em termos últimos, se
poderia reduzir metafisicamente a uma mancha de cor x, com um apontamento de cor y.
A poética inerente ao tema da exposição resulta na
apresentação de oito obras em que se mostra um conjunto de frutos e hortícolas.
Não estando à escala de 1:1, mas um pouco maximizados, estes diversos elementos
mantêm entre si uma relação proporcional evidente, daí que, se em alguns casos
os elementos se apresentam perfeitamente centrados e moldurados, noutros
extravasa-se o espaço disponível pela tela, transgressão que não aconteceria
numa obra antiga.
Quanto a um significado, um sentido para a obra… a tentação
de tentar responder a estas questões é sempre muito forte. A visão de um
terceiro, que não participa no acto de criar, é sempre extremamente relativa.
Contudo, temos necessidade de tentar resolver o que vemos através de
raciocínios, comparações e construção de padrões mentais, como se fosse o
reconhecimento de algo já apreendido no passado.
Na verdade, nem mesmo a criação dos artistas será assim
tão cândida, existindo uma intenção, uma vontade de construir um meio de
comunicação ou uma expressão que estimula o nosso intelecto. Os frutos que “ali
estão” são apenas um jogo para a nossa mente. Há que perceber que esta ilusão
simultaneamente esconde e revela obrigando a uma desmontagem e a uma nova
apreensão.
Apetece concluir com uma advertência e um convite:
primeiro, tudo o que anteriormente se disse é apenas uma leitura possível (na
ótica de quem escreve), nada é para reter, apenas serve para ajudar a dissolver
o pensamento imediato e rotulador que rapidamente se torna uma espécie de
concreção rígida que se radica na tendência de estabelecer padrões,
comparações, dualidades… segundo um convite a estar perante uma exposição que
nasce de um conceito de base, simples, que vai à raiz da questão, mas que, por
tal, não deixa de ser uma interessante viagem à teoria das cores, às
capacidades de visão humana, de origem primordial dos pigmentos, de reflexo dos
grandes ciclos histórico-artísticos, do fruto de uma experiência e formação, de
uma aceitação de criar uma instalação para aquele lugar específico, naquele
momento concreto, de oferecer propostas inovadoras e, sobretudo, de voltar a
refletir sobre um tema central da arte pictórica.
Lisboa 21 de Novembro de 2014
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