segunda-feira, 23 de março de 2015

EMA M & RUI MACEDO: CARTÃO DE VISITA NA GALERIA GESTUAL

COMPLEMENTAR(ES)
A PRIMEIRA EXPOSIÇÃO A QUATRO MÃOS
DE RUI MACEDO & EMA M
GALERIA GESTUAL, PORTO ALEGRE, BRASIL


Ema M Rui Macedo, 2014
 PY 184 + PO73 &PV 23 + PB 15:1 (da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela  


Ema M Rui Macedo, 2014
 P0 20 + PY 35 & PB 29 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 



Ema M Rui Macedo, 2014
 P0 20 & PB 15:1 + PW 4 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 



Ema M Rui Macedo, 2014
 PY 35 & PV 23 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 



Ema M Rui Macedo, 2014
 PB 1 + PY 3 & PR 255 + PO 72 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 



Ema M Rui Macedo, 2014
 PY3 + PB 15 & PR 108 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 



Ema M & Rui Macedo, 2014
 PR 108 & PG 7 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 



Ema M & Rui Macedo, 2014
 PV 23 & PY 35 
(da série Cores Complementares)
 50x55cm, óleo sobre tela 

Ema M (Torres Vedras, Portugal, 1976) é artista visual. O seu trabalho vem gradualmente a considerar a linguagem enquanto representação plástica, enquanto texto escrito legível e a par ou em simultâneo com a figuração pictórica. É na relação entre textual e figural que se desenvolvem as mais recentes exposições, das quais se pode destacar as individuais Visibilia (2014, Museu Grão Vasco, Viseu, Portugal), Ut pictura poesis (2013, Oi Futuro, Ipanema, Rio de Janeiro), Animus Ludendi (2013, Amarelonegro, Rio de Janeiro) e Lapsus Memoriae (2013, Museu do Trabalho, Porto Alegre, Rio Grande do Sul).


Rui Macedo (Évora, Portugal, 1975) é artista visual. O enfoque do seu trabalho de pintura põe em operação, através de instalações pictóricas site-specific, de um modo crítico e pela exploração da morfologia arquitectónica do lugar de exposição, os conceitos próprios de uma exposição de pintura, no sentido de surpreender o horizonte de expectativa do visitante, surpresa alimentada pela representação pictórica em trompe l´oeil e pela encenação do e no espaço expositivo. Destacam-se as exposições no último ano: Playtime  (Capilla de La Trinidad, Museu Barjola, Gijón, Espanha); Mnemosyne (Palácio do Catete e Galeria do Lago, Museu da República, Rio de Janeiro); Artimanhas do escondimento (Amarelonegro, Rio de Janeiro); e Un cuerpo extraño (Museo Nacional de Artes Decorativas, Madrid, Espanha).







Galeria Gestual | Curadoria de Paulo Gomes
Cartão de Visita III
COMPLEMENTAR(ES)
de Ema M & Rui Macedo
por Sérgio Gorjão




Complementar(es) é a primeira exposição em que Rui Macedo e Ema M trabalham a quatro mãos, surgindo como uma fusão de sensibilidades que exprimem as suas formações académicas e teóricas, as suas experiências passadas, como um reflexo de todo um percurso artístico e, por último, são ainda uma espécie de revisitação de várias correntes artísticas que marcam a História da Arte, uma memória desconstruída e novamente proposta à leitura contemporânea.

As oito telas agora apresentadas, sendo um conjunto e não um somatório, são como que um vislumbre de memórias (fragmentos perdidos de um passado evocado, mas já inexistente) e propostas de um potencial futuro (também ele só imaginado, mas ainda sem existência).
Geralmente, as intervenções de Rui Macedo e de Ema M são pensadas não apenas como uma exposição de obras, elementos soltos que vivem por si, mas sim como um diálogo entre estas, o espaço em que se inserem e o público que as interpela. Esta noção de “instalação” coerente é, aliás, uma assinatura comum a ambos os artistas. O museu ou a galeria e o público são, por isso, parte integrante e indissociável do discurso e da missão deste conjunto de pinturas, ou desta instalação.
Tal como em outras circunstâncias, as obras apresentam uma dualidade de critério ou de perspectiva: se por um lado podemos “ler” cada peça individualmente, reconhecendo nelas a sua identidade particular, como que um verso de uma poesia mais extensa, por outro fazem sentido como um todo integrado naquele espaço e naquele tempo, não deixam de fazer sentir uma releitura relativa ao passado (mais do que uma rotura), apesar do seu pendor nitidamente contemporâneo, e também de abrir portas a uma interpretação filosófica, na tentativa de refletir sobre um “porquê”, assumindo um pensamento aprofundado e analítico que antecede a sua criação.
Muitas vezes, a pintura destes artistas, aparentemente figurativa (mas só aparentemente) revela mais o interesse num jogo intelectual de motivações e ilusionismos, do que propriamente de significados ou de leituras imediatas. Embora represente “algo”, essa “coisa” não se reduz a uma evidência, mas a uma contradição, ou melhor, a uma complementaridade entre o objeto e a real intenção de remeter para um labirinto em cujo centro está um “pensamento” estruturado, mas o trajeto para lá chegar é relativamente sinalizado. 
Outra analogia possível seria a de que esta pintura, com os frutos e legumes, fosse uma espécie de “embrulho”, uma capa que esconde a “forma” que os artistas querem revelar. O limão, por exemplo, não é necessariamente importante enquanto representação de um fruto, mas sim como manifestação de uma cor, que se assume como o verdadeiro objeto de trabalho dos pintores.
Não será, por acaso, que esta exposição/instalação recorre sinteticamente a uma abordagem ilusionista de trompe-l’œil já abundantemente revista em outras mostras dos mesmos autores. Contudo, neste caso não tem por missão a representação fiel de um objeto, mas provocar ou desconstruir preconceitos interpretativos ou rotuladores.
Para alguns, esta exposição poderá evocar o grande ciclo da arte peninsular do século XVII, o siglo de oro dos bodegones ou naturezas-mortas, exercícios de extraordinária perícia que se afirmaram nos principais centros produtores da Flandres, Espanha e Portugal. Ao olharmos para os limões representados numa destas pinturas, facilmente recordamos as obras de Zurbarán, van der Hamen, Juan de Espinoza, Luís Meléndez, Baltazar Gomes Figueira ou Joséfa de Óbidos, mas nestas o objetivo é realizar uma pintura que reproduz fielmente a natureza, envolvendo-se em rebuscados exercícios plásticos que visam explorar a luz, as sombras, as cores, os brilhos, os contrastes e as texturas, ou então, criar uma narrativa simbólica associada a um determinado contexto religioso ou de poder. Não é estranho, nestes casos, representarem-se luxuosas composições de frutos, alimentos, flores e outros objetos da natureza, interagindo com copos de água ou vinho, jarros, fruteiros de prata, talheres, toalhas de linho ou seda, cestos, madeiras, etc., apenas com a simples intenção de representar “ao natural” para serem fruídas prazenteiramente como objetos de decoração; mas também são observáveis outras obras de pendor místico. Por exemplo, muitas vezes a representação da Virgem é associada ao lírio, símbolo da pureza, ou a flores com espinhos, sinais das suas alegrias e sofrimentos; ou no caso das representações de Cristo, em que se privilegiam os frutos vermelhos, como a granada, as cerejas, os figos, entre outros, símbolos da sua Paixão e do sangue derramado. 
Nesta exposição vemos não a intenção de uma leitura imediatista, em que o objeto assume uma narrativa particular, vemos, sobretudo, uma reinterpretação e uma repetição de um conjunto de a prioris formais e conceptuais que estabelecem um contínuo entre todos os trabalhos, criando uma unidade de conjunto. Este é, aliás, o fio condutor que permite harmonia e coerência a esta coleção, revelando a intencionalidade de criar uma série que estuda a cor e não um discurso histórico-narrativo ou necessariamente simbólico.
Na obra agora apresentada pode inferir-se a relação com o passado pela evocação das composições, pelo recorrente uso deste tipo de modelos num clássico exercício pictórico, sem qualquer desprestígio para o rigor absoluto com que são criadas, a intenção exprime-se de forma radicalmente diversa. Não é a representação do objecto pelo objecto, aqui o exercício principal é, como já se disse, a cor.
Ao olharmos para cada uma das obras há como que uma leve sensação vibrante, que se deve à harmonia complementar de cores contrastantes e aparentemente em oposição, simétricas no eixo da roda das cores. Aqui se anuncia uma dicotomia entre frio e quente, que se revela extremamente dramática, chamando a atenção para os objectos. Estamos novamente no domínio das ambiguidades, dos jogos cerebrais, em que as cores quentes geram um movimento de excitação e vitalidade, por complementaridade/oposição às cores frias, geralmente associadas a uma calmia e tranquilidade.
Outro dos segredos desta(s) obra(s) é que, se as reduzíssemos a uma escala de cinzentos, a tela revelaria quase o mesmo matiz, sem distinção. Estamos perante uma universalidade de cores que se opõem e se definem entre si, porém, como os extremos se tocam, ao passarmos para uma escala tonal de branco e preto, vemos que afinal os seus valores são praticamente idênticos. Filosoficamente poderíamos dizer que a bipolaridade de contrastes, esta evidente dualidade relativa que se afigura aos olhos e às capacidades sensoriais humanas não são, contudo, mais do que uma espécie de unidade, erradicando a visão dualista, admitindo uma leitura aprofundada e obrigando a uma desmontagem da nossa “realidade”.
Cada uma das peças recorre a elementos da natureza, frutos e legumes, que se apresentam em oposição e contraste cromático com os fundos. A tridimensionalidade é conferida pelo jogo de sombras, pelo uso de suportes às “formas” e por um aparente distanciamento do fundo, facto que se torna ainda mais evidente pelo recurso a uma moldura “fingida” que remete, novamente, para um perfil de pintura antigo. Contudo, aqui  se sugere como uma provocação à ideia de que a pintura contemporânea “prescinde de moldura”, o que não deixa de ser outro a priori a abandonar, porque esse elemento surge como parte integrante e fortemente responsável pela definição identitária da obra.

Podemos achar que esta provocação é, aliás, uma motivação secreta dos autores. Para quem espera encontrar algo muito definido em termos de linhagem e linguagem artística, depressa descobre que esta intervenção não está presa a juízos prévios, embora lhe subjaza um pensamento e uma teoria pertinentes. Se estiver ligada a algum juízo, este essencialmente remete para a “nobre” questão da disciplina da Pintura: representar algo que nos interrogue e que decorre de uma interrogação. Neste caso, a essência da questão aponta para uma pesquisa sobre a cor, muito para além do que é representado. Essa é a menção feita na legendagem de cada obra, uma espécie de nome, ou de código identitário, em que se nomeia a estrutura compositiva dos pigmentos.
Não é uma obra neo-naturalista, nem hiper-realista, ou pop, ou muito menos abstrata. É “o que é”: um estudo de cores expresso “ilusoriamente” numa formulação de formas e fundos que em termos últimos, se poderia reduzir metafisicamente a uma mancha de cor x, com um apontamento de cor y.

A poética inerente ao tema da exposição resulta na apresentação de oito obras em que se mostra um conjunto de frutos e hortícolas. Não estando à escala de 1:1, mas um pouco maximizados, estes diversos elementos mantêm entre si uma relação proporcional evidente, daí que, se em alguns casos os elementos se apresentam perfeitamente centrados e moldurados, noutros extravasa-se o espaço disponível pela tela, transgressão que não aconteceria numa obra antiga.
Quanto a um significado, um sentido para a obra… a tentação de tentar responder a estas questões é sempre muito forte. A visão de um terceiro, que não participa no acto de criar, é sempre extremamente relativa. Contudo, temos necessidade de tentar resolver o que vemos através de raciocínios, comparações e construção de padrões mentais, como se fosse o reconhecimento de algo já apreendido no passado.
Na verdade, nem mesmo a criação dos artistas será assim tão cândida, existindo uma intenção, uma vontade de construir um meio de comunicação ou uma expressão que estimula o nosso intelecto. Os frutos que “ali estão” são apenas um jogo para a nossa mente. Há que perceber que esta ilusão simultaneamente esconde e revela obrigando a uma desmontagem e a uma nova apreensão.
Apetece concluir com uma advertência e um convite: primeiro, tudo o que anteriormente se disse é apenas uma leitura possível (na ótica de quem escreve), nada é para reter, apenas serve para ajudar a dissolver o pensamento imediato e rotulador que rapidamente se torna uma espécie de concreção rígida que se radica na tendência de estabelecer padrões, comparações, dualidades… segundo um convite a estar perante uma exposição que nasce de um conceito de base, simples, que vai à raiz da questão, mas que, por tal, não deixa de ser uma interessante viagem à teoria das cores, às capacidades de visão humana, de origem primordial dos pigmentos, de reflexo dos grandes ciclos histórico-artísticos, do fruto de uma experiência e formação, de uma aceitação de criar uma instalação para aquele lugar específico, naquele momento concreto, de oferecer propostas inovadoras e, sobretudo, de voltar a refletir sobre um tema central da arte pictórica.

Lisboa 21 de Novembro de 2014







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